gestante

ísis

Sabe, eu ando com medo da saudade.


Cheguei a pensar que era só comigo. Mas me confirmaram.


Talvez seja sintoma bobo (e doído) de quem tem filhos nem tão pequenos e nem tão crescidos.


Eu ando com medo da saudade.


E das coisas que ela leva. Da ineficiência em gravar.


A falta da entonação de voz. De não conseguir reviver a sensação da mão passando pelo rosto. E não lembrar imagens de cenas que se repetiram tantas e tantas vezes. O olhar e a respiração tranquila antes de dormir. A empolgação quando tocava aquela mesma música. O primeiro sorriso da manhã, que era o maior.


Eu juro que já tentei gravar. Que durante um banho de chuveiro, me abaixei na altura dele e olhei para cada detalhe. Segurei o rosto, notando cada voltinha, cada curva e as expressões enquanto a água escorria. Ali eu prometi que ficaria guardado.


Mas a saudade é tão humana que é falha.


Eu ando com medo da saudade e a vontade que dá de voltar.


Até de antes. Dos vinte. E do cheiro de verão. Porque cheiro de verão é casa de lembranças. E nos teletransporta para uma liberdade que não mais existe. Uma sensação de ser leve por dentro e de ter que se esforçar para a responsabilidade pesar. Até que um dia a vida inverte. E não mais desfaz.


Eu ando com medo da saudade e do que ela escancara.


As prioridades trocadas, a desimportância da grande maioria das coisas, as horas gastas com preocupações que pararam no “pré” porque nunca se concretizaram.


Eu ando com medo da saudade e do que ela dirá do agora.


Das decisões do hoje. Sobre o tempo, sobre as picuinhas do mundo, da família, do cotidiano. Da energia gasta com besteira, encrenca, celular.


Eu ando com tanto medo da saudade que é físico. Eu sinto a angústia aqui, em mim, cada vez que percorro pela memória. Em cada olhar que cruzo com um filho muito maior do que a minha percepção de tempo considera possível.


Eu ando com medo da saudade porque ela mostra que quase tudo foi bem melhor do que acreditava ser.


E porque aprendi que, bom ou ruim, só o que ficou, só o que fica, é isso. São pedaços. E o desespero de juntá-los é o que a gente chama de saudade.


Autora: @rafaelacarvalhoescritora