família

álif

Dá saudade.

É o que a gente mais fala.

O tema que mais se escuta.

Ah! Se fosse só isso.

Que fácil seria essa nova luta.


É claro que faz falta.

A vida distraiu.

O tempo correu.

Levou o bebê, que ontem mesmo nasceu.


Dá saudade. Mas dá tantas outras coisas.

Sentimentos solitários, que a gente não divide nem com o espelho, parceiro ou o choro no chuveiro.


Ver sua criança se aprontando para tocar a própria vida é bonito e estranho.

Desde quando sou mãe de um homem desse tamanho?


Dá saudade, mas a sensação de dever cumprido também está aqui. Entre quedas, recálculos e conquistas, chegamos no futuro, venci.


E aquela dor que tomava conta, aquele problema que consumia as horas passaram, ficaram pra trás.

Que surpresa boa, não eram fatais.

Que fácil agora, chamá-los banais.

No pensamento, a certeza: foram propositais.

Para as lentes de hoje fundamentais.


Ao olhar para um filho crescido, não vemos só o nenê que deixou de existir, a brincadeira que não faz mais rir, a companhia frequente que quer partir.


Tem o peso que você colocou, mas que caberá a ele tirar.

A autorresponsabilidade e a culpa dançarão no mesmo lugar.


Há manias plantadas num descuido constante, há repetições de padrões, não deu pra cortar o barbante.


Dos ensinamentos que saíram pelo ouvido, teria sido diferente se eu tivesse insistido?


Já quanto aos aprendizados, que se concretizaram e o fizeram forte, faço justiça, me dou os créditos, não foi só sorte.


Dá saudade! Mas quem iria dizer que justo ela, medo de toda mãe recém-nascida, poderia também ser afago para uma alma partida.


Dá saudade e não é só do bebê.

É de todo o resto que poderia ser.


Saudade do que deu, do que foi possível.

Coisa de mãe, ambiguidade indescritível.

Seguimos carregando essa dor invisível.


Quando um filho cresce, o mundo escancara o nosso papel. Nossas falhas ganham outra voz.

Só nos resta um beijo na testa e dar a eles o direito de serem assim, humanos, como nós.


Autora: @rafaelacarvalhoescritora